Getúlio Vargas, um dos líderes brasileiros mais marcantes do século XX, teve uma relação ambígua com o petróleo brasileiro e desejava uma Petrobras bem diferente daquela que acabou sendo criada.

Durante seu período ditatorial (1937-1946), de viés ultranacionalista e com indisfarçável simpatia pelo fascismo italiano – que emulou em algumas áreas e atitudes –, o presidente chegou a determinar, por meio de seu aparato de repressão, a prisão do escritor Monteiro Lobato. Este estaria fazendo forte campanha a favor do petróleo brasileiro e denunciando o que chamava de sabotagem do governo Vargas ao projeto de exploração petrolífera no país. Para Lobato, acusado de delito contra a Segurança Nacional, o governo errava ao “não perfurar e não deixar que se perfure”, protegendo, assim, trustes estrangeiros da área.

Já por ocasião do seu “retorno democrático”, entre 1951 e 1954, Vargas teve que enfrentar a inescapável realidade da exploração do petróleo brasileiro. Esta deveria ser regulamentada e estruturada. Havia a opção de construir parcerias com a iniciativa privada em algumas ou em todas as etapas dessa exploração e, também, a possibilidade de se nacionalizar radicalmente todo o processo, criando-se um monopólio, com estatização da empresa responsável.

O presidente tinha que decidir acerca disso e ele claramente tomou partido por uma das possibilidades descritas acima.

A escolha de Vargas

Em dezembro de 1951, Getúlio Vargas enviou ao Congresso o Projeto Nº 1.516 – 1951, que “dispõe sobre a criação da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S.A. e dá outras providências”.

O projeto deixava clara a opção escolhida por Vargas. O presidente achou mais adequado trabalhar com a participação efetiva de capital privado na exploração do petróleo brasileiro. Mais do que isso, queria a participação de capital estrangeiro. Entendia que assim dinamizaria mais o negócio, além de acenar moderadamente para grupos de interesse que pressionavam por uma participação na empreitada.

A historiadora Monica Hirst comenta, sobre o projeto de lei: “Este projeto previa a criação da Petrobras na forma de uma empresa de economia mista, estabelecendo-se uma percentagem fixa para a participação do capital nacional e estrangeiro”.

O presidente queria evitar o monopólio estatal, admitindo que a futura Petrobras se associasse a empresas privadas. Aparentemente, entendia que o governo, sozinho, não conseguiria levar a cabo a exploração do petróleo de modo a otimizar sua eficiência. Como teria declarado o próprio Getúlio, seria uma solução nacionalista, mas “para funcionar”.

Vargas pretendia colocar-se em uma posição equidistante e moderada entre os nacionalistas convictos e as pressões estrangeiras, sem perder o foco no interesse nacional. No conturbado clima político daqueles anos, contudo, seus desejos enfrentaram enormes dificuldades.

A posição da UDN

A União Democrática Nacional (UDN), um dos principais partidos políticos à época, fazia virulenta oposição a Getúlio Vargas. Em tese, seria um grupo político que valorizaria uma abordagem econômica mais liberal. Sendo assim, era esperado que apoiasse a participação de capital privado na exploração do petróleo brasileiro. Não foi exatamente isso que ocorreu, contudo, e a vontade de ir contra o presidente a qualquer custo parece ter tido mais peso em suas posições relacionadas ao tema.

Hirst sintetiza bem a questão: “O debate do projeto presidencial provocou um leque atípico de alianças partidárias. Com o intuito de manter sua posição antigetulista e de aproveitar-se da febre nacionalista do país, a UDN assumiu – contra sua orientação liberal – a defesa do monopólio estatal na pesquisa, lavra, refinação e transporte do petróleo.”

Tramitação

A UDN manteve sua teimosa posição estatizante até o fim, mesmo indo contra tudo em que dizia acreditar. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) passou pelo dilema de apoiar o projeto moderado de Vargas ou defender sua tradicional posição nacionalista. Posicionando-se entre os dois grupos, o Partido Social Democrático (PSD) – de Juscelino Kubitschek –, conseguia discutir com mais parcimônia os pontos relevantes da futura lei.

O projeto tramitou entre 1951 e 1953, resultando em intensas discussões e negociações. O parecer da então Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados foi lido e publicado em 05/06/1952, cerca de seis meses após a apresentação do projeto de lei. O relator, deputado Antônio Albino, do PSD da Bahia, não deixou de se queixar em seu parecer, dando prova da diversidade de pressões em jogo:

“E como acontece, ainda, que o relator é baiano … é de cristalina evidência que, representante de um Estado que teve a fortuna de ser o ‘leader’ e o pioneiro da produção de petróleo no Brasil, e que, até agora, de tal fato só tem colhido desvantagens de ordem material, caber-lhe-ia o dever de formular os pontos de vista específicos da parcela do povo brasileiro que representa sobre a injustiça com que os Estados produtores de óleo têm sido tratados.”

Participaram do processo legislativo políticos como Israel Pinheiro, Gustavo Capanema, Aliomar Baleeiro, Arthur Bernardes, Flores da Cunha, Menezes Pimentel, entre outros.

No Senado Federal, o senador Assis Chateaubriand criticou os parlamentares que modificaram o projeto original do presidente incluindo o monopólio estatal, chamando-os de nacionalistas “jacobinos”.

O processo legiferante redundou na Lei nº 2.004/1953.

Derrota de Vargas

No transcorrer de um período político turbulento e que redundaria em seu próprio suicídio, em 1954, Vargas não conseguiu fazer com que seu projeto original para a exploração do petróleo brasileiro fosse aprovado pelo Poder Legislativo. A UDN manteve sua posição estatizante até a votação final.

A proposta primeira do presidente foi derrotada e a Petrobras findou, contra sua vontade, sendo criada como uma empresa estatal e que monopolizaria estreitamente o mercado petrolífero brasileiro. Foi moldada segundo a forte onda nacionalista de então.

Para Hirst, a derrota desgastou ainda mais Getúlio Vargas perante as empresas e governos estrangeiros, mas sem lhe oferecer ganhos políticos, além de não arrefecer a oposição interna ao governo.

O Devir

Somente em 1997, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, a lei promulgada em 1953 foi substituída pela nova “Lei do Petróleo” (Lei nº 9.478/1997). Após 45 anos, uma posição moderada em relação ao petróleo brasileiro, ao estilo daquela defendida por Vargas e em conformidade com a realidade de fins do século XX, foi buscada concretamente.

Findou o monopólio da Petrobras nas atividades de pesquisa, exploração, produção e refino de petróleo/gás natural. Tais atividades, em verdade, continuaram a ser monopólio da União, mas passaram a poder ser exercidas por outras empresas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha da produção.

Governos posteriores mantiveram, sem exceção, a quebra de monopólio e a participação de empresas privadas no mercado de petróleo, o que parece ter se tornado uma tendência que, baseando-se no que Vargas desejou para a Petrobras, veio com décadas de atraso.

Além de oferecer uma amostra da efervescência política daquele momento histórico, o episódio mostra o quanto Getúlio Vargas teve sua imagem erroneamente idealizada por parte do corpo político brasileiro posterior a ele.

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Fontes:

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Lei do Petróleo completa 20 anos. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/noticias/3928-lei-do-petroleo-completa-20-anos>, Acesso em 06/04/2019.

Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 1516/1951. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=193089, Acesso em 06/04/2019.

D’Araujo, Maria C. (Org.). Getúlio Vargas. Brasília: Edições Câmara, 2011.

DIAS, José L. de M.; QUAGLINO, Maria A. A questão do petróleo no Brasil: uma história da PETROBRAS. Rio de Janeiro: FGV, 1993.

 

Hirst, Monica. A Política Externa do Segundo Governo Vargas. In: Albuquerque, José A. G.; Seitenfuls, R. (Orgs.). Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990) Volume I Crescimento, Modernização e Política Externa. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

OAB–São Paulo. A Prisão de Monteiro Lobato. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/a-prisao-de-monteiro-lobato>, Acesso em : 05/04/2019.

Westin. Ricardo. Criação da Petrobras rachou Senado em 1953. Jornal do Senado, Brasília, 02 de junho de 2014.