O aborto foi mote para um acalorado debate na Comissão Especial criada para discutir o tema na Câmara dos Deputados, na terça-feira, dia 21/11/2017. Os ânimos chegaram a se exaltar, como não raro acontece em relação a questões polêmicas, havendo gritos e acusações mútuas por parte de deputados. Além disso, a presença de manifestantes populares, tanto defendendo quanto condenando a interrupção provocada durante a gravidez, enriqueceu ainda mais o clima da discussão.

PEC nº 181/2015

O caso específico dizia respeito ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 181/2015, que tramita na Câmara dos Deputados. Seu texto modifica, entre outros, o Art. 5º da Constituição Federal (CF/88) para definir que o direito à vida está garantido “desde a concepção”.

Consequências legais da PEC nº 181/2015

Na prática, a inclusão da previsão do direito à vida “desde a concepção” define legalmente que há vida humana desde a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Este seria o momento da concepção, quando se iniciaria o processo que, em não havendo a intervenção humana em casos de aborto provocado, redundaria no inevitável nascimento de um ser humano (salvo complicações clínicas espontâneas ou provocadas). A definição desse marco temporal poderia inviabilizar, assim, a previsão legal de aborto sob qualquer circunstância, pois a defesa da integridade do feto abarcaria todo o período da gravidez, sem exceção.

Curiosidade: a PEC nº 181/2015, que tramita na da Câmara dos Deputados, iniciou-se no Senado (PEC nº 99/2015) e trataria, em sua origem, somente acerca da extensão da licença-maternidade em caso de parto prematuro, alterando o inciso XVIII do art. 7º da CF/88. O relator da proposta na Comissão Especial da Câmara acrescentou posteriormente a expressão “desde a concepção” tanto no art. 1º (referente à dignidade da pessoa humana) quanto no art. 5º (referente à garantia do direito à vida), ambos da CF/88.

Previsão de aborto no Brasil

Hoje, o aborto é admitido no Brasil em casos de (1) gravidez advinda de estupro, (2) risco de vida para a mãe e (3) anencefalia fetal. O texto original da PEC nº 181/2015 bloquearia, por óbvio, a possibilidade da realização de aborto mesmo em tais casos, pois o direito à vida do feto, que seria garantido desde a concepção, teria previsão constitucional expressa e mais força legal do que essas previsões, aceitas hoje para a concretização do aborto.  Uma exceção, talvez, poderia se dar no caso de gestação com risco de vida para a mãe, pois haveria o conflito entre o direito à vida da mãe e o direito à vida do feto, a ser dirimido no caso concreto.

Comissão Especial

A referida discussão da PEC nº 181/2015 aconteceu no âmbito da Comissão Especial (ou seja, não foi ainda no Plenário da Câmara dos Deputados) criada para discutir o tema (Comissão Especial PEC18115). O motivo inicial da criação dessa comissão específica foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do aborto, tomada em novembro de 2016. Tratava-se da discussão jurídica de um pedido de revogação de prisão preventiva. Os réus eram cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. A Primeira Turma do STF decidiu, na ocasião, que não haveria crime se o aborto fosse realizado até o terceiro mês de gestação e liberou os acusados do fardo da prisão. Apesar de valer somente para aquele caso concreto, abriu-se, sem dúvida, um precedente para a descriminalização do aborto realizado até o terceiro mês de gravidez (12ª semana). O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, chegou a queixar-se de que o STF teria legislado no lugar do Congresso Nacional.

ADPF

Em março de 2017, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Instituto Anis protocolaram uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF pedindo que o aborto deixe de ser considerado crime, caso realizado até a 12ª semana de gestação. No âmbito da mesma ação, já no segundo semestre do mesmo ano, pediu-se uma liminar à relatora (Ministra Rosa Weber) para que autorize uma estudante universitária a realizar o aborto, por motivos ligados a “limitações existenciais e financeiras”.

Como ficou evidente, a discussão acerca do aborto está bastante presente, assumindo enorme relevância no país.

O Congresso Nacional pode legislar sobre cláusula pétrea?

Como se sabe, o Art. 5º da CF/88, cujo conteúdo a PEC nº 181/2015 quer modificar, versa (não exaustivamente) sobre direitos e garantias individuais. É exemplo, portanto, de legítima “cláusula pétrea”, ou seja, não passível de modificação, segundo a própria CF/88, em seu Art. 60, § 4º. Como é possível então, ser discutida tal modificação? A resposta está na redação do citado trecho da CF/88, que indica que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir… (Art. 60, § 4º) …os direitos e as garantias individuais (Inciso IV do mesmo parágrafo)”. A doutrina entende, então, que emendas constitucionais que ampliem os direitos e garantias individuais podem, sim, ser objeto de deliberação. É esse precisamente o caso da PEC nº 181/2015, que pretende aumentar a proteção ao direito à vida (no caso, do feto). Sendo assim, a importante proteção constitucional que recai sobre as cláusulas pétreas não estaria maculada.

Direito comparado

Como se dá a previsão legal acerca do aborto mundo afora? Alguns casos paradigmáticos ilustram a diversidade do entendimento jurídico sobre a interrupção provocada da gravidez e podem ajudar a reflexão no caso brasileiro, como será exposto abaixo.

Aspectos histórico-geográficos

Ao contrário do que se pensa, a evolução da questão do aborto não se deu de forma linear, em um crescente de admissibilidade pelo mundo. Ocorreram, antes, inúmeras idas e vindas em relação à questão. O movimento fundamental rumo à situação atual deu-se, não por acaso, a partir da ascensão das ideias iluministas, notadamente após as revoluções americana e francesa.

Na antiguidade greco-romana, o aborto era moralmente aceito e juridicamente lícito, bastando o consentimento do parceiro. Durante muitos séculos, não houve um interesse especial pelo que ocorria no corpo feminino entre a concepção e o nascimento. Os avanços científicos, principalmente a partir dos séculos XVII e XVIII, fizeram com que o feto passasse a ser observado como entidade autônoma, o que lançou novos elementos à reflexão. Por conta disso, a Ciência causou paradoxalmente um aumento na força das afirmações religiosas mais ortodoxas em relação ao tema. Trata-se de caso raro e específico em que o conhecimento científico foi bem aceito, mesmo que de modo bastante seletivo, pelas religiões.

Nos Estados Unidos (EUA), já no início do século XIX, o aborto era amplamente aceito e legalizado, estando bem estabelecido pelo direito consuetudinário (common law). A primeira lei para restringir o aborto nos EUA surgiu em 1821, em Connecticut, e previa a proibição da interrupção forçada da gravidez após o momento do “chute” (quando a mãe começasse a sentir os movimentos do feto), algo que se dava somente a partir do quarto ou do quinto mês de gravidez. Entendia-se que, a partir daí, já haveria vida fetal humana. À medida que a discussão acerca do momento inicial da vida mudava por conta dos avanços científicos, houve aumento de movimentos contrários ao aborto e um crescente embate com os movimentos por direitos das mulheres, que se fortalecia em paralelo. Configurou-se, assim, uma certa heterogeneidade de posturas em relação ao tema entre os inúmeros estados que constituíam a federação desse país. Alguns eram mais liberais, outros não. A questão somente foi homogeneizada pela Corte Suprema em 1973, no emblemático caso Roe v. Wade, determinando o veto a qualquer lei anti-aborto, por inconstitucional.

Na Rússia do início do século XX, amplos direitos às mulheres eram defendidos pelo grupo dos Kadets (sociais-democratas na prática, apesar de não terem essa alcunha estrita), inclusive a interrupção da gravidez. O grupo dos bolcheviques, curiosamente, defendia que todos os filhos fossem compulsoriamente retirados das mães ao nascimento e levados para centros de criação e de doutrinação, o que felizmente não se efetivou, a não ser em relação aos filhos de presos políticos, havendo inúmeros relatos dessa natureza. Já após a Revolução Russa, Lênin liberou o aborto em 1920, mas a postura durou pouco. As reivindicações dos Kadets foram consideradas como “desvios pequeno-burgueses” pelos bolcheviques e o aborto foi severamente limitado por Stálin, sob o pretexto de querer aumentar as taxas de natalidade do povo russo, em um momento em que se fomentava a “russificação” de repúblicas da URSS, como no episódio do Holodomor ucraniano, que foi seguido pelo assentamento de russos “puros” no leste da Ucrânia. Somente após a morte deste, já nos anos de 1950, o aborto voltou a ser liberado. A situação real do controle de natalidade pela via do aborto na URSS, contudo, não foi simples e só pôde ser avaliada a contento após o fim da ditadura comunista, com o acesso aos arquivos governamentais. Sua discussão, apesar de rica, não cabe aqui. Hoje, a Rússia tem os maiores índices de aborto do mundo, sendo seu número absoluto maior até do que o número de nascimentos, o que tem trazido preocupação ao atual governo, que tenta incentivar campanhas de natalidade.

Durante a ditadura nazista na Alemanha (1933-1945), o aborto foi utilizado como ferramenta de controle de “pureza étnica” pelo governo, tanto com sua proibição, quanto por meio de  seu “estímulo”, dependendo do caso. Registre-se que tudo o que foi feito nesse âmbito e no transcorrer do período em que Hitler esteve no poder teve um arcabouço legal que procurava dar um ar de legitimidade aos atos arbitrários cometidos. As famigeradas Leis Raciais de Nuremberg de 1935 são exemplo disso. Em relação ao aborto, havia previsão de pesadas penas para mulheres alemãs “arianas” que o praticassem sem sinais de má-formação fetal. O governo nazista, no entanto, estimulava o procedimento em vários territórios ocupados, para diminuir os índices de natalidade de algumas “raças inferiores”. Após a Segunda Guerra Mundial, a prática do aborto ainda era muito limitada, tanto na Alemanha Ocidental quanto na Oriental. Mediante intensos protestos, que se deram a partir de fins dos anos de 1960, o procedimento, que já era bastante realizado à revelia da lei, foi liberado sem restrições durante os primeiros três meses de gestação na Alemanha Ocidental, já no ano de 1974. Hoje, esse é seu status na Alemanha unificada, como passou a ser regra em quase toda a Europa.

Países como a Suécia e a Islândia liberaram o aborto, em inúmeros casos, na década de 1930. A tendência, notadamente a partir dos anos 1960, foi a de crescente liberalização do aborto no mundo ocidental.

A América Latina sempre foi mais refratária ao aborto, principalmente por suas rígidas raízes católicas. A Igreja Católica é muito forte na região (já foi mais), não somente como religião oficial, mas, sobretudo, como construtora de um imaginário popular que molda uma verdadeira visão de mundo, nos mais variados aspectos. Isso é muito marcante na política, tanto à direita quanto à esquerda. Não por acaso, o Uruguai, considerado o mais secular governo da América Latina democrática, é também o mais liberal em relação ao aborto, juntamente com Porto Rico.

O caso cubano é curioso e único na região, pois o país teve forte influência do imperialismo soviético, que definiu inúmeras políticas públicas no país caribenho. O aborto foi, assim, legalizado na ilha em 1965 e tornado acessível a toda a população em 1979, assumindo por lá uma singular característica. Trata-se, hoje, do país com o segundo maior índice de abortos do planeta. Esse número, contudo, talvez não retrate fielmente a situação real. Em Cuba, muitos abortos são registrados como “controle menstrual”, para tentar diminuir um pouco essa estatística. O relativamente fácil acesso ao procedimento fez com que se tornasse um popular método anticoncepcional no país, o que não é exatamente o ideal. O governo tenta mudar isso atualmente por meio de campanhas educacionais.

Infelizmente, a enorme importância propagandística dada pela ditadura cubana aos índices de mortalidade infantil fez com que o aborto fosse amplamente prescrito e estimulado quando fosse detectada a possibilidade do nascimento de uma criança com menos chances de sobreviver aos primeiros meses de vida. Estariam incluídos, nessa regra, até casos de gravidez em estágio avançado. Os dados, no entanto, são obscuros. Médicos dissidentes denunciam a prática de indução do parto prematuro (registrada como aborto) em tais hipóteses, mesmo nos já citados estágios mais avançados de gestação. Como no caso da URSS, só será possível saber a verdadeira situação do aborto em Cuba após superada a ditadura.

Na Nicarágua e em El Salvador, o aborto sempre foi e ainda é totalmente proibido, sob qualquer circunstância.

Talvez o caso mais historicamente interessante de todos seja o do Irã. O aborto era praticado com naturalidade desde, pelo menos, o Irã Medieval (século VII). A então avançada medicina persa (iraniana) dominava bem a utilização de substâncias naturais para a realização do procedimento e seus escritos a respeito tiveram grande influência mundo afora. Somente com a chegada do domínio colonial e imperialista europeu a questão começou a ser estigmatizada. Nos anos de 1960, durante o governo do Xá Reza Pahlevi, houve certa liberdade a respeito. Mulheres não precisavam usar véus e o aborto voltou a ser mais tolerado. Com a Revolução Islâmica de 1979, no entanto, a mudança foi radical. O movimento, inicialmente encarado como liberal e libertador por seus apoiadores, acabou resvalando para a tirania (um já tradicional padrão de degeneração política de muitos levantes inicialmente liberais). O aborto passou a ser ilegal, mulheres teriam que usar véus, reuniões de pessoas de sexos opostos foram proibidas etc. Apesar de existirem algumas exceções para a realização do aborto no país, como o risco à saúde da mãe, o estado atual dos direitos femininos de contracepção no Irã é precário. Essa verdadeira involução histórica é singular da sociedade iraniana.

Aborto pelo mundo

Há grande diversidade de posicionamentos em relação ao tema hoje.

A Europa é o continente mais liberal nesse assunto. Quase todos os seus países liberam o aborto até a 12ª semana de gestação e sem restrições. Ele é proibido na Irlanda, em Malta e no Vaticano. Há liberação, mas com algumas restrições à sua realização, na Islândia, na Grã-Bretanha, na Finlândia e na Polônia.

Na Ásia, há divergência de posições. Países como a Rússia (da Eurásia, na verdade), o Nepal, a Turquia, o Turcomenistão e a China liberam o procedimento. Omã, Afeganistão e Laos são alguns daqueles que o proíbem. Ele é liberado, com algumas restrições, na Índia, no Japão e na Coreia do Sul.

A África é o continente mais restritivo no tema. Inúmeros países proíbem o aborto, entre eles Angola, Somália, Uganda e Madagascar. É liberado, com restrições, na Zâmbia, no Quênia e em Botsuana, entre outros. É aceito sem restrições somente na África do Sul e na Tunísia.

Nas Américas, o aborto pode ser praticado até a 12ª semana de gravidez e sem restrições na Groenlândia, no Canadá, nos EUA, em Porto Rico, em Cuba, na Guiana, na Guiana Francesa e no Uruguai. Na América do Sul, os países de legislação mais conservadora em relação ao procedimento são a Venezuela, o Suriname, o Paraguai, o Chile e o Brasil, que explicitamente o proíbem, com poucas exceções previstas. O Brasil tolera a interrupção forçada da gravidez nos limitados casos já descritos acima. A Argentina, a Bolívia, a Colômbia, o Equador e o Peru liberam o aborto, com restrições.

Argumentos possíveis

A questão da interrupção forçada da gravidez não é tão simples e representa verdadeiro confronto de princípios, concretizado no choque entre o direito à autonomia sobre o próprio corpo da mulher e o direito à vida do feto. A definição do que poderia ser considerado vida é, contudo, disputada e tem impacto direto na avaliação do tema.

Como visto, o aborto era liberado nos EUA até 1821, quando foi assumido o entendimento de que a vida estaria inequivocamente presente a partir do momento em que o feto pudesse chutar a barriga da mãe (somente após a 20ª semana!). O movimento voluntário fetal seria, assim, o critério. À época, esse deveria ser o tempo limite para a realização do procedimento.

Novas técnicas de imaginologia e de medicina fetal tornaram possível o acompanhamento do desenvolvimento do embrião/feto a partir do momento da concepção e mudaram a maneira de se entender a própria gravidez.

Feto aborto

Feto com cerca de 11 a 12 semanas

Com 10 (dez) semanas, um feto já tem membros, alguns movimentos, cabeça e rosto com feições. Com 12 (doze) semanas, seus rins já produzem urina, ele tem deglutição faríngea e já apresenta movimentos espontâneos, apesar de a mãe não os perceber. Em países que liberam o aborto sem restrições até a 12ª semana, um feto pode ser eliminado nesse momento de seu desenvolvimento, sem justificativas. Curiosamente, a presença de movimentos espontâneos já foi, como já relatado, utilizada como parâmetro de presença de vida, quando o aborto passou a ser proibido a partir do momento em que a mãe sentisse os chutes do bebê.

Isso tudo fez a discussão mudar de patamar. A disputa acerca do que poderia ser definido como vida, hoje em dia, atinge níveis sutis e microscópicos. Não é fácil ou banal, portanto, considerar algum ponto específico do desenvolvimento embrionário/fetal como marco inicial da vida humana. Note-se que, até aqui, sequer foi levado em conta o viés religioso, que também tem peso na questão.

Por outro lado, os avanços no manejo médico do pré-natal fizeram com que a morte da mãe fosse considerada evento excepcional na gestação, devendo ser evitada a todo custo. Sendo assim, a mortalidade materna causada por abortamentos realizados em condições precárias passou a ser entendida como inaceitável e atingiu status de verdadeira questão de saúde pública.

Deve ser considerado como inevitável, também, o fato de que inúmeras mulheres procuram maneiras de realizar abortos independentemente da previsão legal vigente em seu país. Isso torna inescapável o enfrentamento do problema causado pelo grande número delas que sofrem com complicações, por vezes debilitantes ou fatais.

Some-se a isso o fato de que o aborto é comumente realizado, em condições hospitalares aceitáveis, por pessoas que têm poder aquisitivo suficiente para pagar pelo procedimento, mesmo que ilegal. Essa deturpação representa uma situação de franca injustiça social.

Por conta da dificuldade em se negar a tese de que existe vida humana a partir de estágios mais iniciais da gravidez do que se supunha, os argumentos referentes à séria questão de saúde pública ligada às mulheres têm ganhado força entre os que defendem a liberalização do aborto e não podem, de fato, ser descartados como irrelevantes ou desimportantes.

Argumentos a favor da proibição ou limitação à realização do aborto:

  • Mesmo assumindo-se o entendimento de que não há definição precisa do que seria o início da vida humana, diante da dúvida, a integridade do feto deveria ser respeitada.
  • A provável presença de vida humana já a partir de estágios iniciais da gravidez caracterizaria o aborto como atentado à vida do feto.
  • O direito da mãe à autonomia sobre o próprio corpo merece respeito, mas o direito à vida do feto, enquanto ser humano, tem valor maior.
  • O real conflito, desde os estágios iniciais da gravidez, seria entre o direito à vida do feto e o direito à vida da mãe e o aborto somente estaria justificado se este último direito – ou seja, a vida da grávida – estivesse em risco por conta da gravidez.

Argumentos a favor da liberalização do aborto:

  • Diante do entendimento de que não há definição precisa do que seria o início da vida humana, não é correto restringir o direito da mulher de interromper sua gravidez, ao menos até a 12ª semana.
  • O direito ao aborto representa consectário lógico do direito que a mulher tem de decidir autonomamente acerca do próprio corpo.
  • Historicamente, abortos são realizados de modo inevitável e o grande número de complicações e de mortes maternas causadas por aqueles que são realizados em condições precárias, nos países que proíbem o procedimento, representa séria questão de saúde pública e justifica sua legalização. Há, em sentido amplo, o embate entre o legítimo direito à vida das mulheres e o legítimo direito à vida dos fetos, devendo o primeiro se sobrepor ao segundo, pois deve-se garantir a integridade física daquelas mulheres sob risco inescapável de complicações, uma vez que não será possível, na prática, evitar a concretização do procedimento em muitos casos.
  • O aborto já é praticado, com segurança, por quem pode pagar por ele, sendo questão de justiça social oferecer o serviço a todas as mulheres.

Conclusão

Como se vê, não é uma questão simples. Se os direitos à liberdade de expressão, a eleições livres e ao multipartidarismo são garantias liberais unânimes e mais do que óbvias, a despeito de não serem respeitadas em diversos países, o direito à livre realização do aborto não tem uma configuração assim tão clara enquanto garantia indiscutível. Tentar resolver a questão com simples bordões e frases de efeito, de parte a parte, não é o ideal.

Ainda haverá, por certo, intensa discussão legislativa acerca do tema, que não chegou ao Plenário da Câmara dos Deputados. Acompanhe a tramitação, confira todos os pareceres, assista aos vídeos das disputadas sessões, ouça ou leia os discursos e veja as minúcias do andamento do processo legislativo na página de acompanhamento da PEC nº 181/2015 no site da Câmara dos Deputados, neste link. Sobre como acompanhar a tramitação de uma proposição legislativa, confira este post.

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Fontes:

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