O orçamento federal representa fundamental ferramenta de viabilização de políticas públicas. Todos os governos constituídos utilizam os produtos da arrecadação de impostos, em sentido amplo, e da renda a partir da atividade econômica estatal, quando esta não representa prejuízo, para dar concretude a seus projetos de otimização político-social. O arcabouço legal que trata acerca do orçamento representa o alicerce para essa consecução. O Poder Legislativo tem posição de destaque nesse campo. As principais normas orçamentárias federais passam pelo crivo do Congresso Nacional (CONGRESSO NACIONAL, 2018).

Emendas parlamentares

As emendas parlamentares individuais se destacam como instrumentos dos representantes eleitos para dirigir verbas a projetos específicos, geralmente ligados às suas comunidades locais. No orçamento de 2019, um gasto total de R$ 19,2 bilhões em emendas foi aprovado, sendo que R$ 9,1 bilhões (47,5%) representam emendas parlamentares individuais (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019). Para o ano de 2020, a proposta orçamentária recebeu 8.934 emendas, sendo 8.341 individuais. Nem todo o valor destinado a esse propósito será de fato gasto, seguindo-se a lógica de anos anteriores. Não obstante, a parcela cada vez maior do orçamento federal dirigida de modo impositivo a tais emendas tem chamado atenção para a discussão acerca de tal instrumento legal.

Emendas orçamento

Emendas Parlamentares no Orçamento de 2019  (Fonte: Câmara dos Deputados)

O tema não ficou, claro, imune às novas configurações de interação virtual em redes sociais e em mídias digitais. Além disso, por mais que as ações tornadas possíveis pelas emendas parlamentares sirvam a projetos de áreas importantes para a população, como saúde e educação, perdura uma imagem bastante negativa ligada a tal instituto, que ganhou fama de ser um instrumento de chantagem diante do Executivo e de certo “egoísmo” dos representantes do povo.

Há possibilidade, contudo, de que uma adequada interação com o eleitorado por meio das novas tecnologias virtuais, somada a ajustes que modernizem o sistema eleitoral vigente, possam diminuir o estigma que paira sobre as emendas parlamentares individuais ao orçamento.

As vantagens dessas emendas estão ligadas à potencial otimização do gasto público, em consonância com as necessidades dos cidadãos locais. Isso pode ser feito de maneira customizada e respeitando as particularidades locais. O governo central nem sempre consegue entender as especificidades de cada comunidade e os parlamentares poderiam, em tese, ser o elemento de tradução desses anseios.

As desvantagens estão ligadas a eventuais casos de desvios de verbas públicas, valores superfaturados, conluio com empresas executantes, troca de projetos por votos, gastos guiados por populismo, falta de critérios objetivos de eficiência e diminuição de verbas para políticas públicas mais amplas do governo federal (GONTIJO et al, 2018).

Alguns dos citados pontos de fragilidade do atual modelo de emendas parlamentares chegaram a se concretizar e deram margem a uma certa estigmatização desse instrumento. De todo modo, os ganhos locais ligados a tais emendas aparentemente não foram suficientes para aproximar os eleitores dos parlamentares. A grande maioria daqueles sequer lembra em quem votou nas últimas eleições para o cargo de deputado federal (ABRANTES, 2018).

Sistema eleitoral

O distanciamento pode ser explicado, em grande parte, pelo sistema eleitoral vigente no país. O atual modelo de voto proporcional com lista aberta torna as campanhas eleitorais dispendiosas e desconectadas das particularidades locais, pois abarcam todo o território dos respectivos estados da federação.

Muito tem se debatido, no âmbito das reformas políticas, acerca do assunto e alguns entendem que o sistema distrital poderia aproximar mais os eleitores de seus representantes na Câmara dos Deputados (FONSECA, LACERDA, PEREIRA, 2014). Tal sistema eleitoral pode ser puro, como nos Estados Unidos, ou  misto, como na Alemanha, que mantém algumas vagas do Parlamento escolhidas pelo voto proporcional.

Um adequado desenho dos distritos eleitorais tornaria a eleição mais racional no que tange a gastos de campanha e aumentaria a possibilidade de aproximação do candidato com seu eleitor, por limitar o universo de votantes e sua abrangência territorial (IDEM).

Superando o distanciamento

Já se tentou minimizar o distanciamento entre eleitores e parlamentares por meio da otimização do acompanhamento de gastos locais por meio do chamado Orçamento Participativo. Este teve um início promissor no Rio Grande do Sul, mas parece não ter conseguido superar as limitações impostas por grupos de interesses que  têm dominado os conselhos locais responsáveis pelas decisões, causando insatisfação na população e uma sensação de desconexão dos processos decisórios (ROSA, GOULART, TROIAN, 2018).

Um passo adiante nessa ideia se deu em 2019, quando alguns deputados, nos âmbitos federal e estadual, publicaram editais para escolha de propostas de projetos a serem contemplados com emendas parlamentares individuais ao orçamento. Qualquer do povo poderia enviar propostas de como gastar o dinheiro público disponível para os deputados em questão. É um incremento importante, mas não chega a ter alcance de massa.

Interação virtual

Um fenômeno social bastante recente pode, contudo, mudar bastante o modo de relacionamento dos eleitores com seus representantes. Têm sido marcantes as interações de parlamentares com seu eleitorado por meio das redes sociais no ambiente virtual (CALGARO, 2019). Os modernos smartphones tornaram possível a conexão permanente e diuturna das pessoas com esse ambiente de interação. Paralelamente a essa nova configuração de relacionamento social, têm surgido aplicativos – programas voltados para smartphones – com potencial de incrementar o acompanhamento dos parlamentares e de suas atividades.

É exemplo disso o aplicativo “Meu Deputado”, que disponibiliza dados individuais acerca de deputados federais, registrando seus gastos mensais e votações (RIGON, 2016). Pode-se citar, também, o aplicativo “Infoleg”, da própria Câmara dos Deputados. Ainda, a Operação Serenata de Amor, pertencente à Rede pelo Conhecimento Livre, desenvolveu uma inteligência artificial capaz de detectar gastos parlamentares suspeitos ligados à Cota para Exercício de Atividade Parlamentar e disponibiliza os dados, em tempo real, na rede Twitter.

Meu Deputado

Aplicativo Meu Deputado, de Gianfranco Meneguz

Infoleg

Aplicativo Infoleg, da Câmara dos Deputados

Informações que estavam disponíveis, nem sempre de maneira intuitiva, somente em sítios como o Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União e o Portal da Câmara dos Deputados agora podem ser acessadas na tela de um telefone pessoal.

Certamente, ainda não se pode apontar um aplicativo ou mecanismo virtual ideal para o fim aqui descrito, apesar da qualidade dos citados. A efervescência na criação de novas plataformas e de novos programas, porém, sugere fortemente que essa tendência seja inexorável. Registre-se, por sinal, que já faz falta um aplicativo que informe especificamente acerca das emendas parlamentares ao orçamento, algo que deveria ser do interesse dos próprios parlamentares, dado o grande potencial de divulgação de seu trabalho em prol das comunidades locais.

Tal aumento dos meios de escrutínio da atividade parlamentar pode até representar um problema para o deputado desidioso, mas aproxima bastante o deputado virtuoso de seus eleitores, incrementando sua popularidade.

Impacto nas Emendas Parlamentares

No caso das emendas parlamentares individuais ao orçamento, tanto o voto distrital quanto os novos instrumentos digitais de acompanhamento e de cobrança dos deputados eleitos podem superar algumas das principais críticas que são dirigidas a elas. O primeiro aproximaria os eleitores e os eleitos de cada região, tornando mais natural sua subsequente interação, e os segundos representariam um instrumento de fácil utilização para o fim de avaliar o deputado e chamar sua atenção às necessidades locais.

O caráter impositivo das emendas tenderia a perder o estigma, nem sempre justo, de ser guiado por um sentimento de puro interesse particular. Diante de novas configurações do sistema eleitoral e da interação social virtual, a impositividade seria entendida como consequência natural desse modelo.

Isso diminuiria, também, a possibilidade de malversação da verba pública, ao fomentar a cultura do acompanhamento e da auditagem popular dos gastos públicos. Entende-se, claro, que algumas limitações já existentes em relação aos tipos de projetos contemplados pelas emendas merecem ser mantidos, como a porcentagem mínima de gastos com a área da saúde.

Ao fim, o sinergismo entre (1) as emendas parlamentares individuais ao orçamento, mesmo impositivas, (2) o sistema eleitoral distrital, puro ou misto, e (3) os novos instrumentos digitais de acompanhamento da performance parlamentar, existentes e ainda a serem criados, teria como consequência a superação do estigma que persegue tais emendas e o aumento da valorização e da popularidade da atividade parlamentar. Acima de tudo, otimizaria o gasto público e aumentaria o grau de satisfação da população beneficiada.

*O conteúdo do artigo acima foi apresentado, com algumas modificações, na X Jornada de Pesquisa e Extensão da Câmara dos Deputados, em 2019.

Bibliografia e leitura recomendada:

ABRANTES, Talita. 79% dos brasileiros não lembram em quem votaram para o Congresso. EXAME, 17 jan. 2018, Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/79-dos-brasileiros-nao-lembram-em-quem-votaram-para-o-congresso/.

CALGARO, Fernanda. Redes sociais norteiam atuação de parlamentares no Congresso. G1, Brasília, DF, 09 mar. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/09/redes-sociais-norteiam-atuacao-de-parlamentares-no-congresso.ghtml.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira. Raio X Orçamento 2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/raio-x-do-orcamento-previdencia/raio-x-do-orcamento-2019-autografo.

CONGRESSO NACIONAL. Manual de Emendas Orçamento da União para 2019. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/or2019/emendas/Manual_Emendas2019-16-10-20h.pdf.

FONSECA, Rafaela Aparecida; LACERDA, Josiane Auxiliadora; PEREIRA, José Roberto. A Crise da Democracia Representativa e o Voto Distrital como Alternativa. Revista Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 44, p. 142-163, jan./jun. 2014.

GONTIJO, Vander et al. Emendas Parlamentares, Orçamento Impositivo e Gestão Participativa. Cadernos ASLEGIS, Brasília, DF, n. 50, set./dez. 2014.

MACHADO, R. Proposta orçamentária para 2020 recebe quase 9 mil emendas parlamentares. Câmara dos Deputados, 30 out. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/606801-proposta-orcamentaria-para-2020-recebe-quase-9-mil-emendas-parlamentares/

RIGON, Liana. Aplicativo permite vigiar os gastos dos deputados federais. PUCRS, Porto Alegre, 11 jul. 2016. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/09/redes-sociais-norteiam-atuacao-de-parlamentares-no-congresso.ghtml

ROSA, Nelson Henrique Quevedo; GOULART, Jeferson Luis Lopes; TROIAN, Alessandra. Percepção dos participantes do orçamento participativo em relação à implementação das demandas da população: estudo de caso no município de Santana do Livramento/RS. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 14, n. 1, p. 425-456, jan./abr. 2018.